EDUCAÇÃO DO CAMPO: MEMÓRIAS E NARRATIVAS
A educação do campo como instrumento de formação do individuo, precisa mobilizar a permanência do mesmo em seu local de origem de forma sustentável transformando numa condição indispensável para enfrentar os desafios do mundo globalizado. No contexto da educação do campo a escola passa a ser reconhecida como espaço de reflexão da realidade da comunidade local de seu trabalho, suas linguagens, formas de vida e, sobretudo de seu desenvolvimento humano e social. A escuta e o registro das vozes nos processos formativos e de escolarização possibilita rememorar e compartilhar experiências e potencializar práticas no campo pedagógico, ético e político.
Pensar nas narrativas e memórias da Educação do Campo é importante, pois tomar conhecimento dos desafios que a Educação do Campo enfrentou e tem enfrentado, como também romper com o imaginário de que, para viver na “roça”, não há necessidade de amplos conhecimentos socializados pela escola. A Educação do Campo precisa de valorização de investimento, de pesquisa e de políticas públicas, dando enfoque a diversidade de opções de vida, de produção, de consumo e cultura que ao longo dos anos foram deixados de lados pelas autoridades.
Leite afirma que,
A educação rural no Brasil, por motivos sócio-culturais, sempre foi relegada a planos inferiores e teve por retaguarda ideológica o elitismo acentuado do processo educacional aqui instalado pelos jesuítas e a interpretação político-ideológica da oligarquia agrária, conhecida popularmente na expressão: “gente da roça não carece de estudos. Isso é coisa de gente da cidade”. (LEITE, 1999, p. 14):
A Escola do Campo apresenta elementos que necessitam de estudo e pesquisa, como: a sua democratização, a resistência e a renovação das lutas e dos espaços físicos, assim como as questões ambientais, políticas, de poder, cientificas, tecnológicas, sociais, culturais e econômicas que são vivenciadas neste espaço.
Para Arroyo (2001) Olha-se para a Escola do campo hoje, com um olhar onde se desconsidera a memória e as tradições, que devem ser valorizadas e atualizadas no presente, conferindo qualidade às classes multisseriadas brasileiras, tornando o ensino nelas desenvolvido de igual, ou melhor, qualidade do que o das classes seriadas: desafio pretensioso, mas possível.
Desta forma as narrativas, tal qual os lugares da memória, são instrumentos importantes de preservação e transmissão das heranças identitárias e das tradições. Narrativas sob a forma de registros orais ou escritos são caracterizadas pelo movimento peculiar à arte de contar, de traduzir em palavras as reminiscências da memória e a consciência da memória no tempo. As narrativas e memórias, são peculiares, incorporam dimensões matérias, sociais, simbólicas e imaginárias. Plenas de dimensão temporal, e tem na experiência sua principal fonte (BENJAMIN, 1994, p. 98).
Josso (2004) salienta que a escrita narrativa funciona num primeiro plano na perspectiva das competências verbais e intelectuais, porque faz o sujeito entrar em contato com suas lembranças e evocar as “recordações-referências” que esteja implicado com o tema conhecimento de si e formação; fazendo com que este revele o que “aprendeu experiencialmente nas circunstâncias da vida” (JOSSO, 2004: 31). Desta forma a educação desenvolvida nos meios rurais torna-se objeto de discussão dos sujeitos que a compõem,nas narrativas e memórias dos educadores e camponeses, diferentemente de outros momentos, em que a educação rural era objeto de discussão dissociada dos sujeitos sociais que nela atuam.
As narrativas e memórias, são importantes como estilo de transmissão, de geração para geração, das experiências mais simples da vida cotidiana e dos grandes eventos que marcaram da História da humanidade. Para Todorov (1999, p. 26-7) os conceitos e significados da memória são vários, pois a memória não se reduz ao ato de recordar.
Le Golff (1990), afirma que as memórias revelam os fundamentos da existência, fazendo com que a experiência existencial, através da narrativa, integre-se ao cotidiano fornecendo-lhe significado e evitando, dessa forma, que a humanidade perca raízes, lastros e identidades. Segundo Caldart (2000), no contexto histórico da escola do campo, hoje há a necessidade de estruturá-la a partir de uma lógica de desenvolvimento que privilegie o ser humano na sua integralidade de volta ao processo produtivo com justiça, bem estar social e econômico.
Margarida Neves (1998) afirma que,
“O conceito de memória é crucial porque na memória se cruzam passado, presente e futuro; temporalidades e espacialidades; monumentalização e documentação; dimensões materiais e simbólicas; identidades e projetos. É crucial porque na memória se entrecruzam a lembrança e o esquecimento; o pessoal e o coletivo; o individuo e a sociedade, o público e o privado; o sagrado e o profano. Crucial porque na memória se entrelaçam registro e invenção; fidelidade e mobilidade; dado e construção; história e ficção; revelação e ocultação.” (NEVES, 1998, p. 218)
Segundo Júlio Pimentel Pinto (1998) “a memória é esse lugar de refúgio,meio história, meio ficção, universo marginal que permite a manifestação continuamente atualizada do passado” (PINTO, 1998, p. 307). Dessa forma, o conceito de memória não é homogêneo e conforma-se por múltiplos significados.
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