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27 de março de 2011

Fernando Pessoa e suas muitas personas

Desde a morte do célebre escritor português, em 1935, mais de seis mil livros foram publicados sobre sua significativa obra, mas biografias só existem três

Da Redação

“Fernando Pessoa: uma quase autobiografia” (Record) é a mais completa obra de referência das muitas personas assumidas pelo poeta português. Seus heterônimos, muitos deles desconhecidos do grande público, revelam-se no livro de José Paulo Cavalcanti com riqueza de detalhes, apresentando a produção e as origens de cada um desses que habitaram o imaginário e a escrita de Fernando Pessoa. Desde a sua morte, em 1935, mais de seis mil livros foram publicados sobre a obra do escritor português, mas biografias só existem três (1950, publicada em Portugal; 1986, na Espanha, e 1996, na França), além de uma fotobiografia.

Fernando Pessoa morreu aos 47 anos e passou a maior parte deles em Lisboa. Sua vida, voltada inteiramente para a arte, despertou em Cavalcanti o desejo de reverberar versos como o de sua persona mais famosa, o poeta Álvaro de Campos: “Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.” E foi com essa determinação que o escritor pernambucano dedicou os últimos 10 anos à vida e obra do poeta.

José Paulo Cavalcanti conheceu a obra de Fernando Pessoa em 1966; o primeiro poema que leu foi Tabacaria. “Foi o começo de uma paixão que até hoje me encanta e oprime”, confessa. “Tenho inclusive a sensação de que gostava dele ainda mais naquele tempo. Talvez porque todo começo de paixão seja assim mesmo, depois arrefece; ou então, como o rio de sua aldeia, ele apenas pertencesse a menos gente.”

Segundo o autor, à medida que mergulhava na obra de Pessoa, suas inquietações foram crescendo. Quem foi o homem Fernando Pessoa, como ele vivia, com quem se relacionava, quem foram as personas que ganharam vida com ele, para citar apenas algumas delas. Uma das grandes revelações do livro refere-se justamente aos heterônimos, que, segundo José Paulo Cavalcanti, são 127 (e não 67, como se acreditava até agora).

Mergulhado na vida do poeta, Cavalcanti foi compreendendo melhor aquele homem inquieto, suas angústias e a dimensão de sua obra. Em Lisboa, conversou com pessoas que o conheceram, tocou papéis escritos por ele, visitou as casas onde morou e, em frente à escrivaninha do seu quarto, chegou a imaginar que o via escrevendo O guardador de rebanhos.

“Na verdade, o que fiz foi escrever a biografia de Fernando Pessoa que eu gostaria de ler”, sorri José Paulo Cavalcanti, diante do livro pronto, fruto de oito anos de trabalho e cinco horas diárias de escrita, “sem falhar um dia”.

“Desde que comecei a me aprofundar no universo de Pessoa, fui colecionando dúvidas que não conseguia solucionar. Então resolvi fazer isso eu mesmo. Ocorre que foi o próprio Fernando Pessoa quem escreveu praticamente o livro todo. É mesmo uma (quase) autobiografia, como diz o título”, brinca, referindo-se às centenas de frases e citações do poeta, compiladas e utilizadas no texto, sempre com aspas. “O resto foram depoimentos de pessoas que conviveram com ele e apenas algumas contribuições minhas.”

O advogado pernambucano foi atrás de cada detalhe da obra para revelar o biografado. “Ninguém imagina que possa encontrar na rua, por total acaso, alguém que conviveu com Fernando Pessoa. Pois não é que eu encontrei?”, conta o autor. “Eu lia e pesquisava, lia e pesquisava. Toda vez que encontrava num poema qualquer referência, ia procurar para saber se aquele lugar, ou aquela pessoa, existia de fato. E era batata: existia mesmo. Acabei chegando à conclusão de que Fernando Pessoa foi o escritor mais sem imaginação com quem tive contato em toda minha vida. Ele viveu tudo o que escreveu, não inventou nadinha!”

José Paulo seguiu todos os rastros possíveis de Pessoa, homem de vida metódica e circunscrita a uns poucos quarteirões de Lisboa - a casa, o trabalho, os cafés que freqüentava. Mesmo assim, a faina de compor os detalhes e encontrar as respostas que procurava levou o autor a fazer, em média, cinco viagens por ano a Portugal, onde contratou os serviços de pesquisadores, historiadores, consultores e de um jornalista, para verificação dos fatos.

Em paralelo às pesquisas, José Paulo foi reunindo documentos e peças do acervo de Pessoa, adquiridos de parentes e até mesmo de uma sobrinha de Ofélia Queirós, a grande paixão do poeta. O resultado é um acervo que será talvez o maior reunido sobre o poeta, fora de Portugal. Parte desse acervo estará em exposição na exposição “Fernando Pessoa: plural como o Universo”, cuja inauguração coincide com o lançamento do livro, que vai acontecer em abril.

Ao longo de toda a obra, José Paulo Cavalcanti traduz e explica, para o leitor brasileiro, cada expressão portuguesa usada, tanto na obra de Pessoa como em depoimentos ou outros registros. “Tem gente que não concorda, mas eu acho essencial para que todo mundo possa entender exatamente o que Fernando Pessoa quis dizer, no caso dos poemas, e também o sentido exato de depoimentos e registros.”

O livro que chega é o registro desse encontro de vida inteira, sob ângulos completamente novos, pessoais mesmo. Se é o livro que Cavalcanti gostaria de ter lido, é também o livro que Fernando Pessoa escreveu ao longo da vida, sem perceber - e que José Paulo recolheu, cuidadosamente, pelos caminhos do tempo.

José Paulo Cavalcanti Filho é advogado no Recife, Consultor da Unesco e do Banco Mundial, ex-ministro da Justiça e imortal, ocupa a cadeira 27 da Academia Pernambucana de Letras. Na Editora Record, o autor publicou também Informação e poder e O mel e o fel. (com assessoria) 


Fonte: Diário de Cuiába 
Site: http://www.diariodecuiaba.com.br/detalhe.php?cod=390346

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