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20 de maio de 2011

Discurso de Obama sobre o mundo árabe: Obama's speech about the Arab world




WASHINGTON - O presidente americano Barack Obama fez nesta quinta-feira, 19, um pronunciamento no Departamento de Estado. No discurso, bastante aguardado, Obama falou sobre os levantes nos países do norte da África e no Oriente Médio e se referiu ao processo de paz entre palestinos e israelenses. 

No discurso, Obama defendeu a criação de um Estado palestino desmilitarizado - uma exigência de Israel - e dentro das fronteiras de 1967.

Com relação ao Egito e à Tunísia, o presidente dos EUA anunciou um plano de ajuda econômica aos países, os únicos que, até o momento, conseguiram derrubar seus líderes. Obama pressionou duramente o presidente da Síria, Bashar al-Assad, e o líder da Líbia, Muamar Kadafi. 

Mesmo o Bahrein, aliado dos Estados Unidos, foi criticado no discurso, pela opressão aos protestos populares. Outro aliado que não foi nem sequer citado é a Arábia Saudita.
Leia a seguir íntegra do discurso.

Barack Obama: Quero agradecer a Hillary Clinton, que viajou tanto nestes últimos seis meses que está se aproximando de um novo marco - um milhão de milhas acumuladas. Eu conto com Hillary todos os dias, e acredito que ela deixará o cargo como a melhor secretária de Estado da história de nossa nação.

O Departamento de Estado é um local apropriado para marcar um novo capítulo da diplomacia americana. Durante seis meses, testemunhamos uma mudança extraordinária tomar corpo no Oriente Médio e no norte da África. De praça a praça, cidade a cidade, país a país, o povo se ergueu para reivindicar seus direitos humanos básicos. Dois líderes se afastaram. Muitos poderão seguir o mesmo caminho. E embora esses países possam estar a grande distância de nossas terras, sabemos que nosso próprio futuro está ligado a essa região pelas forças de economia e de segurança, história e fé.

Hoje, gostaria de falar sobre essa mudança - as forças que a estão impelindo, e como podemos responder de maneira a promover nossos valores e fortalecer nossa segurança. Já fizemos muito para mudar nossa política externa depois de uma década definida por dois dispendiosos conflitos. Após anos de guerra no Iraque, retiramos 100 mil soldados americanos e encerramos nossa missão de combate ali. No Afeganistão, quebramos o ímpeto do Taleban, e, no próximo mês de julho, começaremos a trazer nossos soldados de volta e continuaremos a transição para a liderança afegã. Após anos de guerra contra a Al-Qaeda e suas filiais, aplicamos um duro golpe à Al-Qaeda quando matamos o seu líder - Osama Bin Laden.

Bin Laden não era nenhum mártir. Ele era um assassino em massa que oferecia uma mensagem de ódio - a insistência de que os muçulmanos precisavam pegar em armas contra o Ocidente, e que a violência contra homens, mulheres e crianças era o único caminho para a mudança. Ele rejeitava a democracia e os direitos individuais para muçulmanos em favor do extremismo violento; sua agenda se concentrava no que ele poderia destruir - não no que poderia construir.

Bin Laden e sua visão assassina conquistaram alguns adeptos. Mas antes mesmo de sua morte, a Al-Qaeda estava perdendo sua luta por relevância, já que a maioria esmagadora do povo viu que o massacre de inocentes não respondia a seus apelos por uma vida melhor. Quando encontramos Bin Laden, a agenda da Al-Qaeda já estava sendo vista pela vasta maioria da região como um beco sem saída, e os povos do Oriente Médio e do norte da África tomaram seu futuro nas próprias mãos.

Essa história de autodeterminação começou há seis meses na Tunísia. Em 17 de dezembro, um jovem comerciante chamado Mohammed Bouazizi ficou arrasado quando uma policial confiscou seu carrinho. Não foi um caso isolado. É o mesmo tipo de humilhação que ocorre todos os dias em muitas partes do mundo - a tirania incessante de governos que negam dignidade a seus cidadãos. Só que, desta vez, alguma coisa diferente se passou. Depois que as autoridades locais se recusaram a ouvir sua queixa, esse jovem, que nunca havia sido particularmente atuante em política, foi até a sede do governo provincial, encharcou-se de combustível, e ateou fogo em si mesmo.

Às vezes, no curso da história, as ações de cidadãos comuns desencadeiam movimentos por mudança porque elas falam a um anseio de liberdade que vinha se formando durante anos. Nos Estados Unidos, pensem no desafio daqueles patriotas de Boston que se recusaram a pagar impostos a um rei, ou a dignidade de Rosa Parks quando ela corajosamente ocupou seu assento. Assim foi na Tunísia, quando o ato de desespero daquele comerciante repercutiu na frustração sentida por todo o país. Centenas de manifestantes ocuparam as ruas, depois milhares. E diante dos cassetetes e às vezes das balas, eles se recusaram a voltar para casa - dia após dia, semana após semana, até um ditador de mais de duas décadas finalmente deixar o poder.

A história dessa revolução, e das que se seguiram, não deveria causar surpresa. As nações do Oriente Médio e do norte da África conquistaram sua independência há muito tempo, mas em muitos lugares, seus povos não conquistaram as suas. Em muitos países, um cidadão como aquele jovem comerciante não tinha a quem recorrer - um Judiciário honesto para ouvir sua queixa; uma mídia independente para lhe dar voz; um partido político crível para representar seus pontos de vista; uma eleição livre e limpa na qual ele pudesse escolher seu dirigente.

Essa falta de autodeterminação - a chance de se fazer da própria vida o que se desejar - aplicava-se também à economia da região. Sim, alguns países são abençoados com riqueza em petróleo e gás, e isso acarretou bolsões de prosperidade. Mas numa economia global baseada em conhecimento e inovação, nenhuma estratégia de desenvolvimento pode se basear exclusivamente no que vem do solo. Nem tampouco as pessoas podem atingir seu potencial quando não se pode começar um negócio sem pagar uma propina.

Diante desses desafios, muitos líderes na região tentaram direcionar para outro lado os agravos de seus povos. O Ocidente foi acusado de ser a fonte de todos os males meio século depois do fim do colonialismo. O antagonismo a Israel se tornou a única válvula de escape aceitável de expressão política. Divisões tribais, etnicidade e seitas religiosas foram manipuladas como meios de se conservar o poder, ou de tirá-lo de outros.
Mas os eventos dos últimos seis meses nos mostram que as estratégias de repressão e diversão não funcionam mais. A televisão via satélite e a internet proporcionam uma janela para o mundo em geral - um mundo de um progresso impressionante em lugares como Índia, Indonésia e Brasil. Telefones celulares e redes sociais permitem que jovens se conectem e se organizem como nunca antes. Uma nova geração despontou. E suas vozes nos dizem que a mudança não pode ser negada.

No Cairo, ouvimos a voz da jovem mãe que disse, "É como se eu finalmente pudesse respirar ar fresco pela primeira vez".Em Sanaa, ouvimos os estudantes que entoavam, "A noite precisa acabar".

Em Benghazi, ouvimos o engenheiro que disse, "Nossas palavras agora são livres. É um sentimento que não se pode explicar".Em Damasco, ouvimos o jovem que disse, "Depois do primeiro grito, do primeiro berro, você sente dignidade".

Esses gritos de dignidade humana estão sendo ouvidos por toda a região. E pela força moral da não violência, os povos da região conseguiram mais mudança em seis meses do que os terroristas em décadas.
Evidentemente, uma mudança dessa magnitude não vem facilmente. Nesse nosso tempo - um tempo de redes de notícias 24 horas e comunicação constante - as pessoas esperam que a transformação da região seja resolvida numa questão de semanas. Mas levará anos para essa história chegar ao fim. Ao longo do caminho, haverá dias bons e dias ruins. Em alguns lugares, a mudança será rápida; em outros, gradual. E, como vimos, os apelos por mudança poderão dar lugar a disputas ferozes pelo poder.

A questão que temos diante de nós é qual papel a América jogará enquanto essa história se desenrola. Durante décadas, os Estados Unidos perseguiram um conjunto de interesses centrais na região: contrapor-se ao terrorismo e impedir a proliferação de armas nucleares; assegurar o livre fluxo do comércio, e salvaguardar a segurança da região; defender a segurança de Israel e perseguir a paz árabe-israelense.

Continuaremos fazendo essas coisas, com a firme crença de que os interesses da América não são hostis às esperanças dos povos; são fundamentais para eles. Acreditamos que ninguém se beneficia com uma corrida armamentista nuclear na região, ou com ataques brutais da Al-Qaeda. Pessoas de todas as partes veriam suas economias obstruídas por cortes no suprimentos de energia. Como fizemos na Guerra do Golfo, não toleraremos agressões transnacionais, e manteremos nossos compromissos com amigos e parceiros.

Mas precisamos reconhecer que uma estratégia baseada exclusivamente na busca estreita desses interesses não preencherá um estômago vazio nem permitirá que alguém diga o que pensa. De mais a mais, não falar para as aspirações mais amplas das pessoas comuns só alimentará a suspeita que durante anos elas alimentaram de que os Estados Unidos buscam seus próprios interesses às suas custas. Como essa desconfiança age nos dois sentidos - na medida que americanos foram maltratados por tomada de reféns, retórica violenta e ataques terroristas que mataram milhares de nossos cidadãos - o fracasso em mudar nossas atitudes ameaça criar uma espiral divisória descendente entre os Estados Unidos e comunidades muçulmanas.

É por isso que, há dois anos, no Cairo, eu comecei a ampliar nosso engajamento com base em interesses mútuos e no respeito mútuo. Eu acreditava então - e acredito agora - que temos um interesse não só na estabilidade de nações, mas na autodeterminação dos indivíduos. O status quo é insustentável. Sociedades sustentadas pelo medo e a repressão podem oferecer a ilusão de estabilidade por algum tempo, mas são construídas sobre falhas geológicas que acabarão se separando.

Portanto, estamos diante de uma oportunidade histórica. Abraçamos a chance de mostrar que os Estados Unidos valorizam mais a dignidade do vendedor de rua na Tunísia que o poder bruto do ditador. Não deve haver dúvida de que os Estados Unidos da América saúdam a mudança que promove autodeterminação e oportunidade. Sim, haverá perigos que acompanham este momento de promessa. Mas após décadas aceitando o mundo tal como ele é na região, temos uma chance de buscar o mundo tal como ele deveria ser.

Nesse sentido, precisamos avançar com um senso de humildade. Não foi a América que pôs as pessoas nas ruas de Túnis e do Cairo - foram as próprias pessoas que lançaram esses movimentos, e precisam determinar seu futuro. Nem todo país seguirá nossa forma particular de democracia representativa, e haverá momentos em que nossos interesses de curto prazo não se alinharão perfeitamente com nossa visão de longo prazo da região. Mas podemos enunciar - e enunciaremos - um conjunto de princípios básicos - princípios que guiaram nossa reposta aos eventos dos últimos seis meses:

Os Estados Unidos se opõem ao uso da violência e da repressão contra os povos da região.

Apoiamos um conjunto de direitos universais. Esses direitos incluem liberdade de expressão; liberdade de reunião pacífica; liberdade de religião; igualdade para homens e mulheres sob o império da lei; e o direito de escolher nossos próprios líderes - quer se viva em Bagdá ou Damasco, Sanaa ou Teerã.

E finalmente, apoiamos reformas políticas e econômicas no Oriente Médio e no norte da África que atendam às legítimas aspirações das pessoas comuns de toda a região.

Nosso apoio a esses princípios não é um interesse secundário - hoje estou deixando claro que ele é uma alta prioridade que precisa ser traduzida em ações concretas e apoiado por todas as ferramentas diplomáticas, econômicas e estratégicas à nossa disposição.

Permitam-me ser específico. Primeiro, será política dos Estados Unidos promover a reforma por toda a região, e apoiar transições para a democracia.

Esse esforço começa no Egito e na Tunísia, onde as apostas são altas - na medida em que a Tunísia estava na vanguarda dessa onda democrática, e o Egito é tanto um parceiro de longa data como a maior nação do mundo árabe. Os dois países podem criar um forte exemplo com eleições livres e limpas; uma sociedade civil vibrante; instituições democráticas efetivas e transparentes; e uma liderança regional responsável. Mas nosso apoio deve se estender também a países onde as transições ainda não ocorreram.

Infelizmente, em países demais, os apelos por mudança foram respondidos com violência. O exemplo mais extremo é a Líbia, onde Muamar Kadafi lançou uma guerra contra seu povo, prometendo caçar as pessoas como ratos. Como eu disse quando os Estados Unidos entraram numa coalizão internacional para intervir, não podemos impedir cada injustiça perpetrada por um regime contra seu povo, e aprendemos com nossa experiência no Iraque como é custoso e difícil impor uma mudança de regime pela força - por mais boa intenção que se tenha.

Mas na Líbia, vimos a perspectiva de um massacre iminente, tínhamos um mandato para ação e ouvimos o pedido de ajuda do povo líbio. Se não tivéssemos agido com nossos aliados da Otan e parceiros de coalizão regionais, milhares teriam sido mortos. A mensagem teria sido clara: mantenha o poder matando quantas pessoas for preciso. Agora, o tempo está trabalhando contra Kadafi. Ele não tem controle sobre o seu país. A oposição organizou um Conselho Interino legítimo e crível. E quando Kadafi inevitavelmente deixar ou for obrigado a largar o poder, décadas de provocação terão chegado ao fim, e a transição para uma Líbia democrática poderá prosseguir.

Embora a Líbia tenha enfrentado a violência na máxima escala, ela não é o único lugar onde líderes recorreram à repressão para permanecer no poder. Mais recentemente, o regime sírio optou pelo caminho do assassinato e de prisões em massa de seus cidadãos. Os Estados Unidos condenaram essas ações, e trabalhando com a comunidade internacional reforçamos nossas sanções ao regime sírio - incluindo sanções anunciadas ontem ao presidente Assad e aos que o cercam.

O povo sírio mostrou sua coragem em reivindicar uma transição para a democracia. O presidente Assad tem agora uma escolha: ele pode liderar essa transição, ou sair do caminho. O governo sírio precisa parar de atirar em manifestantes e permitir protestos pacíficos; libertar os prisioneiros políticos e parar com as prisões injustas; permitir que monitores de direitos humanos tenham acesso a cidades como Deraa; e começar um diálogo sério para promover a transição democrática. Caso contrário, o presidente Assad e seu regime continuarão sendo contestados de dentro e isolado do exterior.

Até agora, a Síria seguiu seu aliado iraniano, buscando ajuda de Teerã na tática da repressão. Isso revela a hipocrisia do regime iraniano que diz que apoia os direitos de manifestantes no exterior, mas reprime seu povo em casa. Não custa lembrar que os primeiros protestos pacíficos foram nas ruas de Teerã, onde o governo brutalizou homens e mulheres, e atirou pessoas inocentes na prisão. Ainda ouvimos o eco dos cantos dos telhados de Teerã. A imagem de uma jovem morrendo nas ruas ainda está gravada em nossa memória. E continuaremos a insistir em que o povo iraniano merece seus direitos universais, e um governo que não sufoque suas aspirações.

Nossa oposição à intolerância do Irã - e também a seu programa nuclear ilícito, e seu patrocínio do terror - é bastante conhecida. Mas para a América ser crível, precisamos reconhecer que nossos amigos na região não reagiram todos às demandas de mudança consistentes com os princípios que hoje delineamos. Isso é verdade no Iêmen, onde o presidente Saleh precisa cumprir seu compromisso de transferir o poder. E é verdade, hoje, no Bahrein.

O Bahrein é um parceiro de longa data, e estamos comprometidos com a sua segurança. Reconhecemos que o Irã tentou tirar vantagem dos tumultos ali, e que o governo bareinita tem um interesse legítimo no estado de direito. No entanto, insistimos publicamente e privadamente em que prisões em massa e força bruta vão contra os direitos dos cidadãos do Bahrein, e não farão desaparecer os legítimos apelos por reforma. A única maneira de avançar é governo e oposição se engajarem num diálogo, e não se pode ter um verdadeiro diálogo quando partes da oposição pacífica estão na prisão. O governo precisa criar as condições para o diálogo, e a oposição precisa participar para forjar um futuro justo para todos os bareinitas.

De fato, uma das grandes lições que devemos aprender com este período é a de que divisões sectárias não precisam necessariamente levar ao conflito. No Iraque, vemos a promessa de uma democracia multiétnica e multisectária. Naquele país, o povo iraquiano rejeitou o perigo da violência política e optou pelo processo democrático, ao mesmo tempo em que assumiu a responsabilidade completa por sua própria segurança. Como no caso de todas as democracias jovens, os iraquianos enfrentarão retrocessos. Mas, se continuar no rumo do progresso pacífico, o Iraque deve desempenhar um papel fundamental na região. Quando o país o fizer, teremos orgulho de estar ao seu lado como parceiros leais.

Assim, nos próximos meses, os EUA precisam usar toda a sua influência para encorajar reformas na região. Ao mesmo tempo em que reconhecemos que cada país é diferente, temos que falar com sinceridade sobre os princípios nos quais acreditamos, dialogando tanto com aliados quanto com inimigos. Nossa mensagem é simples: se os povos assumirem os riscos envolvidos na promoção de reformas, receberão o total apoio dos EUA. Precisamos também intensificar nossos esforços na tentativa de ampliar nosso engajamento para além das elites, para com isto atingirmos as pessoas que vão moldar o futuro - os jovens, em especial.

Continuaremos a honrar os compromissos que anunciei no Cairo - construir redes de empreendedores e ampliar as trocas na educação; fomentar a cooperação nas áreas da ciência e da tecnologia, e cooperar no combate às doenças. Em toda a região, pretendemos oferecer assistência à sociedade civil, incluindo-se aí aquelas organizações que talvez não sejam oficialmente sancionadas, e que manifestam verdades inconvenientes. Pretendemos usar a tecnologia para nos conectar - e dar ouvidos - à voz do povo.

Com efeito, a verdadeira reforma não poderá vir somente das urnas. Por meio de nossos esforços temos que promover os direitos elementares do acesso à informação e da liberdade de expressão. Vamos apoiar o livre acesso à internet, e o direito dos jornalistas de serem ouvidos - sejam eles funcionários de grandes organizações da mídia ou blogueiros independentes. No século 21, informação é poder; a verdade não pode ser ocultada; e a legitimidade dos governos dependerá, no limite, da presença de cidadãos ativos e informados.

Tal liberdade de discurso é importante, mesmo que as ideias expressadas por ela não coincidam com nossa visão de mundo. Os EUA respeitam o direito de todas as vozes pacíficas e cumpridoras da lei de serem ouvidas, mesmo que discordemos delas. Ansiamos pela oportunidade de trabalhar com todos aqueles que apoiam uma democracia verdadeira e inclusiva. Vamos certamente nos opor às tentativas - sejam elas de quem forem - de restringir os direitos dos demais e de manter-se no poder por meio da coerção. Não consentiremos com estas práticas. Pois a democracia não depende apenas de eleições, mas também de instituições fortes e responsáveis, e do respeito aos direitos das minorias.

Este tipo de tolerância é especialmente importante em se tratando da religião. Na Praça Tahrir, ouvimos egípcios de todas as origens entoando, "muçulmanos, cristãos, somos um só". Os EUA trabalharão no sentido de garantir que este espírito prevaleça - que todas as fés sejam respeitadas, e que pontes sejam erguidas entre elas. Numa região conhecida como berço de três religiões mundiais, a intolerância só pode levar ao sofrimento e à estagnação. Assim, para que esta temporada de mudanças seja bem sucedida, os cristãos coptas precisam ter garantido o direito de praticar livremente sua religião no Cairo, assim como os xiitas nunca devem ter suas mesquitas destruídas no Bahrein.

Aquilo que é verdadeiro para as minorias religiosas vale também para a questão dos direitos da mulher. A história mostra que os países são mais prósperos e pacíficos quando as mulheres têm poder e autonomia. É por isso que continuaremos a insistir que os direitos universais sejam aplicados tanto às mulheres quanto aos homens - por meio do foco na assistência à saúde das mães e das crianças; ajudando as mulheres a ensinar ou a começar seu próprio empreendimento; lutando pelo direito das mulheres de terem suas vozes ouvidas, e de concorrer à presidência e aos cargos públicos de maior importância. Pois a região jamais atingirá plenamente seu potencial se mais da metade de sua população for impedida de atingir o próprio potencial.

Estamos promovendo as reformas políticas e o respeito aos direitos humanos na região, mas nossos esforços não podem se limitar a isto. Assim, outra forma de apoiar mudanças positivas nestes países é por meio dos esforços para incentivar o desenvolvimento econômico daqueles regimes que fizerem a transição para a democracia.

Afinal, não foi apenas a política que levou os manifestantes às ruas. Para muitas pessoas, o ponto de virada é a preocupação mais constante de trazer comida à mesa e prover o sustento da família. Um número demasiadamente grande de habitantes da região acorda todos os dias tendo como principal preocupação sobreviver até o fim do dia, e talvez a esperança de que no futuro sua sorte irá mudar. Em toda a região, muitos jovens receberam um ensino sólido, mas as economias fechadas os impedem de encontrar emprego. Empreendedores estão cheios de ideias, mas a corrupção impede que eles lucrem com suas iniciativas.

O principal recurso mal aproveitado do Oriente Médio e do norte da África é o talento do seu povo. Nos protestos recentes, vimos uma amostra deste talento quando as pessoas usaram a tecnologia para mobilizar o mundo. Não é coincidência o fato de um dos líderes da Praça Tahrir ser também um executivo do Google. Esta energia precisa agora ser canalizada, em cada um destes países, para que o crescimento econômico consolide as conquistas obtidas nas ruas. Assim como as revoluções democráticas podem ser detonadas pela falta de oportunidades individuais, transições democráticas bem sucedidas dependem da expansão do crescimento e de uma prosperidade que chegue a todos.

Aprendendo com as lições que recebemos em todo o mundo, achamos importante manter o foco no comércio, e não apenas na ajuda; e no investimento, e não somente na assistência. A meta deve ser um modelo no qual o protecionismo dê lugar à abertura; as rédeas do comércio passem das mãos de poucos para as mãos de muitos, e a economia gere empregos para os jovens. Portanto, o apoio dos EUA à democracia terá como base a garantia da estabilidade financeira; a promoção de reformas; e a integração de mercados competitivos uns com os outros e com a economia global - começando pela Tunísia e pelo Egito.

Primeiro, pedimos ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional que apresentem um plano na reunião de cúpula do G-8 marcada para a próxima semana, definindo as medidas que precisam ser adotadas para estabilizar e modernizar as economias de Tunísia e Egito. Juntos, precisamos ajudar estes países a se recuperar do caos provocado pelo levante democrático, e apoiar os governos que serão eleitos ainda este ano. E estamos insistindo para que outros países ajudem Egito e Tunísia a atender suas necessidades financeiras no curto prazo.

Segundo, não queremos que um Egito democrático enfrente o obstáculo das dívidas deixadas pelos governos anteriores. Assim, perdoaremos até US$ 1 bilhão em dívidas de um Egito democrático, e trabalharemos com nossos parceiros egípcios para investir estes recursos no sentido de incentivar o crescimento e o empreendedorismo. Ajudaremos o Egito a recuperar o acesso aos mercados ao garantir empréstimos de até US$ 1 bilhão, recursos necessários para financiar a infraestrutura e a criação de empregos. E vamos ajudar os novos governos democraticamente eleitos a recuperar bens que tenham sido roubados.

Terceiro, estamos trabalhando com o Congresso para criar Fundos de Empreendimento a serem investidos na Tunísia e no Egito. Estes terão como modelo os fundos que promoveram as transições no Leste Europeu após a queda do muro de Berlim. A OPIC deve lançar em breve um dispositivo de apoio ao investimento privado na região avaliado em US$ 2 bilhões. Vamos também trabalhar com aliados para mudar o foco do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento para que este ofereça ao Oriente Médio e ao norte da África o mesmo apoio às transições democráticas e à modernização econômica prestado na Europa.

Quarto, os EUA vão lançar uma abrangente Iniciativa de Parceria Comercial e de Investimento no Oriente Médio e no norte da África. Excluídas as exportações de petróleo, esta região de mais de 400 milhões de habitantes apresenta um volume de exportações comparável ao da Suíça. Assim, trabalharemos com a UE para fomentar o comércio com a região e ampliar os acordos existentes de promoção da integração com os mercados europeus e americano, abrindo as portas para que os países da região que decidirem adotar parâmetros exigentes de reforma e liberalização do comércio construam um acordo comercial regional. Assim como a participação na UE serviu como inventivo para as reformas na Europa, a visão de uma economia próspera e moderna deve impulsionar um poderoso movimento por reformas no Oriente Médio e no norte da África.

A prosperidade exige também que derrubemos as paredes que impedem o avanço do progresso - a corrupção das elites que roubam do seu próprio povo; a burocracia que impede uma ideia de se tornar um empreendimento; o clientelismo que distribui a riqueza com base nos laços tribais e sectários. Vamos ajudar os governos a cumprir as obrigações internacionais, e investiremos nossos esforços no combate à corrupção; trabalhando com os parlamentares envolvidos no preparo das reformas, e também com os ativistas que usam a tecnologia para cobrar responsabilidade do governo.

Permitam-me concluir com um comentário sobre outro dos pontos fundamentais de nossa abordagem à região, desta vez relacionado à busca pela paz.

Durante décadas, o conflito entre israelenses e palestinos lançou uma sombra sobre a região. Para os israelenses, isto significou conviver com o medo de que seus filhos poderiam morrer na explosão de um ônibus ou de foguetes disparados contra suas casas, além da dor de saber que outras crianças na região são ensinadas a odiá-los. Para os palestinos, o conflito significou sofrer a humilhação da ocupação, e o insuportável fato de nunca viverem em seu próprio país. Além disso, este conflito trouxe um custo mais abrangente para todo o Oriente Médio, pois impede parcerias que poderiam trazer mais segurança, prosperidade e autonomia às pessoas comuns.

Meu governo trabalhou com os lados envolvidos e também com a comunidade internacional por mais de dois anos na tentativa de encerrar este conflito, mas as expectativas não foram atendidas. Os israelenses continuam a erguer seus assentamentos ilegais. Os palestinos desistiram de participar das negociações. O mundo olha para um conflito que se arrasta há décadas e vê um impasse. De fato, há até quem diga que, com tantas mudanças e incertezas na região, avançar é simplesmente impossível.

Discordo desta avaliação. Num momento em que os povos do Oriente Médio e do norte da África estão se livrando dos fardos do passado, o desejo de uma paz duradoura que ponha fim ao conflito e atenda a todas as reivindicações é mais urgente do que nunca.

Para os palestinos, as tentativas de deslegitimar Israel acabarão no fracasso. Atitudes simbólicas com o objetivo de isolar Israel nas Nações Unidas em setembro não serão capazes de criar um Estado independente. Os líderes palestinos não chegarão à paz e à prosperidade se o Hamas insistir no rumo do terror e da rejeição. E os palestinos jamais conseguirão sua independência negando a Israel o direito de existir.

Quanto a Israel, nossa amizade é profundamente enraizada nos valores e na história que compartilhamos. Nosso compromisso com a segurança de Israel é inquebrantável. E vamos nos opor a todas as tentativas de criticar isoladamente o país nos fóruns internacionais. Mas, precisamente por causa de nossa amizade, é importante que digamos a verdade: o status quo é insustentável, e Israel também precisa agir com ousadia para avançar no rumo de uma paz duradoura.

A verdade é que um número cada vez maior de palestinos vive a oeste do Rio Jordão. A tecnologia fará com que Israel enfrente dificuldades cada vez maiores para se defender. As profundas mudanças pelas quais a região está passando vão levar a um populismo no qual milhões de pessoas - e não apenas alguns líderes - precisam acreditar na possibilidade da paz. A comunidade internacional está cansada de um processo interminável que nunca produz resultados nem chega a um desfecho. O sonho de um Estado judaico e democrático não pode ser realizado por meio de uma ocupação permanente.

No fim, cabe a israelenses e palestinos agir. Nenhuma paz pode ser imposta a eles, e atrasos intermináveis não farão com que a situação se resolva. Mas os EUA e a comunidade internacional podem expressar com franqueza aquilo que todos sabem: uma paz duradoura deve envolver dois Estados para dois povos. Israel será o Estado judaico e a pátria dos judeus, e a Palestina será a pátria do povo palestino; cada um deles deve gozar do direito de autodeterminação, do reconhecimento mútuo e da paz.

Assim, embora as questões centrais do conflito precisem ser negociadas, a base destas negociações é clara: uma Palestina viável e uma pátria judaica segura. Os EUA acreditam que as negociações devem resultar em dois Estados, com uma Palestina definida por fronteiras permanentes com Israel, Jordânia e Egito, e fronteiras israelenses permanentes com a Palestina. As fronteiras entre Palestina e Israel devem ter como base as fronteiras de 1967, compreendendo trocas de comum acordo, para que assim ambos os Estados tenham fronteiras seguras, definidas e reconhecidas. O povo palestino deve ter o direito de se autogovernar e de atingir o próprio potencial dentro de um Estado soberano e contíguo.

Quanto à segurança, todo Estado tem direito à autodefesa, e Israel deve poder se defender - por conta própria - diante de qualquer ameaça. As provisões devem também ser robustas o bastante para impedir um retorno do terrorismo; controlar a entrada de armas; e proporcionar uma segurança efetiva nas fronteiras. A retirada gradual e completa das forças militares israelenses deve ser coordenada com um movimento palestino que assuma toda a responsabilidade pela própria segurança dentro de um Estado soberano e desmilitarizado. A duração deste período de transição precisa ser negociada, e a eficácia dos acordos de segurança terá de ser demonstrada.

Estes princípios constituem numa base para as negociações. Os palestinos devem conhecer os moldes territoriais de seu Estado; os israelenses devem saber que suas preocupações básicas com a segurança serão respeitadas e atendidas. Sei que, por si mesmos, tais medidas não poderão acabar com o conflito. Restam dois pontos difíceis que despertam emoções intensas: o futuro de Jerusalém e o destino dos refugiados palestinos. Mas, se avançarmos agora com base nas questões de território e segurança, teremos um alicerce sobre o qual estas duas questões poderão ser solucionadas de forma justa e limpa, respeitando as aspirações de israelenses e palestinos.

Reconhecer que as conversas precisam começar com as questões do território e da segurança não significa que será fácil voltar à mesa de negociações. Em especial, o recente anúncio de um acordo entre Fatah e Hamas traz questões profundas e legítimas para Israel - como é possível negociar com um envolvido que se mostra indisposto a reconhecer seu próprio direito à existência? Nas próximas semanas e meses, os líderes palestinos terão que apresentar uma resposta crível a esta pergunta. Enquanto isso, os EUA, nossos parceiros do Quarteto e os países árabes precisam dra prosseguimento a todos os esforços no sentido de ultrapassar o debate atual.

Compreendo o quanto isto será difícil. A desconfiança e a hostilidade já foram passadas adiante por gerações, e às vezes até se aprofundaram. Mas estou convencido de que a maioria dos israelenses e palestinos prefere olhar para o futuro em vez de permanecer presa ao passado. Vemos este espírito no pai israelense cujo filho foi morto pelo Hamas, que ajudou a fundar uma organização que aproximou israelenses e palestinos que já tinham perdido um ente querido. Ele disse, "Percebi gradualmente que nossa única esperança de progresso estava em reconhecer o rosto do conflito". Vemos isto no palestino que perdeu três filhas no bombardeio israelense a Gaza. "Tenho o direito de sentir raiva", disse ele. "Muitos esperavam ver em mim manifestações de ódio. Respondo a eles que me recuso a odiar... Vamos manter nossa esperança de um amanhã melhor", disse ele.

Esta é uma escolha que precisa ser feita - não apenas neste conflito, mas em toda a região -, uma escolha entre ódio e esperança; entre os grilhões do passado e a promessa do futuro. Trata-se de uma escolha que precisa ser feita pelos líderes e pelo povo, uma escolha que vai definir o futuro de uma região que serviu como berço da civilização e cadinho do conflito.

Vemos muitos motivos para manter a esperança na superação dos desafios que temos pela frente. No Egito, ela está nos esforços dos jovens que lideraram os protestos. Na Síria, está na coragem daqueles que enfrentam as balas enquanto entoam, "pacífico", "pacífico". Em Benghazi, uma cidade ameaçada com a destruição, a esperança está na praça do tribunal onde as pessoas se reúnem para comemorar as liberdades que jamais conheceram antes. Em toda a região, os direitos que consideramos garantidos estão sendo conquistados com alegria por aqueles que estão se desvencilhando do aperto de uma mão de ferro.

Para o povo americano, as cenas dos levantes na região podem ser inquietantes, mas as forças que impulsionam estas manifestações não são desconhecidas. Nosso próprio país foi fundado por meio de uma rebelião contra um império. Nosso povo travou uma dolorosa guerra civil que trouxe liberdade e dignidade para aqueles que eram escravizados. E eu não estaria aqui hoje se as gerações passadas não tivessem recorrido à força moral da não violência como forma de aperfeiçoar nossa união - organizando, marchando e protestando pacificamente para tornar realidade as palavras que inauguraram nosso país: "Sustentamos que estas verdades são evidentes, e que todos os homens são criados iguais".

Tais palavras devem guiar nossa resposta à transformação que está alterando o Oriente Médio e o norte da África - palavras que nos dizem que a repressão vai fracassar, que os tiranos cairão, e que todos os homens e mulheres são dotados de certos direitos inalienáveis. Não será fácil. Não existe um caminho retilíneo que leve ao progresso, e as dificuldades sempre acompanham uma temporada de esperança. Mas os Estados Unidos da América foram fundados sobre a crença de que as pessoas devem governar a si mesmas. Agora, não podemos deixar de apoiar claramente aqueles que lutam por seus direitos, sabendo que o seu sucesso trará um mundo mais pacífico, mais estável e mais justo.

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